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A RUA, O POETA E O ROMANTISMO

CURIOSIDADE / CULTURA

Por Cíntia Portugal* 

Sales Barbosa, o poeta Romântico Feirense que ficou com o terceiro lugar no Concurso do “homem mais feio da Comercial Cidade de Feira de Sant' Anna", em 1886.

Fonte: publicação do  Correio de Notícias da capital.

 Cristovam Barreto, poeta,  rábula, de Oliveira dos Campinhos, desenha o nariz de Sales Barbosa (1862- 1888) no posfácio de Cavatinas (1885). Segue a descrição do amigo, nela, flagramos Sales Barbosa, esguio, magríssimo, um corpo mais próximo, apresentando-nos um nariz que parece sentir-se percebido, tocado, examinado, reconhecido pela literatura Romântica e pela memória feirense:

Agrada-me vê-lo surgir longo, descarnado, impassível, alardeando um nariz que lhe ocupa soberbamente o terço da parte superior do corpo, desde a sutura coronal à espinha externa do mento [...]. Não nos ocorre ter visto nariz igual, mais expressivo nobilitar a face de um rapaz

[...], Exótico no traje, Sales parece querer assim, o vaidoso, disfarçar o que alguns supõem as incorreções de seu físico, por um estudo de efeito mais ou menos atenuante. Em nossa opinião corre por conta dele: o feio, que se amaldiçoa - “de não ser mais feio ainda”. (BARRETO APUD BARBOSA, 1885, p. 138).

Cristovam Barreto tece no posfácio do livro a descrição do amigo contemporâneo, abraçado, sentindo de alguma forma sua presença:“[...] Insistimos nisto com muito maior fundo de razão do que se imagina. Resumo do cérebro, o nariz acentua Sales e causaria espasmos de admiração gostosa a Vernet, pintor e frenólogo”. (BARBOSA, 1885, p. 138). O amigo Barreto, crítico, rábula, também poeta, praticamente   apresenta-nos a caricatura do autor de Cavatinas. Ao expor de forma exagerada o tipo físico do poeta, também, se revela Romântico, um provocador que utiliza das lentes distorcidas. 

No trecho do posfácio, Cristovam Barreto retrata o poeta feirense e a sua poesia, o mote Se non é vero prepara a narrativa, nela, observamos a “ironia romântica”, “de não ser mais feio ainda”. No poema encontraremos as marcas do poeta francês Victor Hugo (1827 APUD ECO, 2008. P. 281):

[...] o belo tem apenas um tipo, o feio tem mil [...] Pois o belo, humanamente falando, nada mais é que a forma considerada em sua relação mais elementar, em sua simetria mais absoluta, em sua mais íntima harmonia com o nosso organismo [...] Aquilo que, ao contrário, chamamos de feio é o detalhe de um grande todo que nos escapa e que se harmoniza, não com o homem apenas, mas com a criação inteira (HUGO, 1827 apud ECO, 2008, p. 281).

O poema Se non é vero, de Sales Barbosa, atende o mote para dar impulso, continuidade ao poema, à força da expressão do que não se pode alcançar:

 

SE NON É VERO

 

Toda à tardinha – ao portão

Do jardim quando o céu morre

Como uma gazela, corre

Para ir ver um rapagão

Feio, que se amaldiçoa

De não ser mais feio ainda...

Entretanto Ella é linda

Como uma pomba que voa!

Ele faz versos... E ela

Gosta das musas! Brejeiro...

Por isso quando passava

Por lá... No mês de janeiro

A pequenina o estudava

Com bisnagas de cheiro!

(Boa Viagem)

(BARBOSA, 1885, p. 77).

 

Leitor de José Alencar (1991), Sales Barbosa parece convidar-nos à uma aproximação da obra A pata da gazela (1991-1870), quando traz na primeira estrofe do poema: “Como uma gazela, corre...”, no qual, através do arranjo de signos e símbolos, utiliza do fetichismo para reafirmar o amor romântico como modelo para as relações burguesas. Ao correr na imagem tal qual uma gazela, traz os pés, as botas, o feio, a pomba, o brejeiro, a musa, como símbolos e signos, a prosa.

O poema Romântico encarregou-se do cotidiano sedutor, do grotesco e do ideal de beleza burguesa. O “eu” lírico nos sugere: prepare-se, apure os ouvidos para acolher “o berro no meio de uma sinfonia”, da obra A pata da gazela; o pé deformado sustenta a beleza angelical. Bem como perceber o percorrer a poesia dos jardins, dos namoros no portão de Álvares de Azevedo.O poema, ao gosto desse romântico cavalga no seu “Namoro a cavalo”, descreve as travessuras e delícias da cortesia e da conquista amorosa. O fato de serem amores de férias lembra também o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1844).

Na narrativa consagrada, há apostas, promessas, cartas com certo ar de promiscuidade e vilania da juventude. Nesse sentido, a época é propícia à conquista dos desejos das gerações de leitores jovens, com termos como gazela, pomba, musas, bisnagas de cheiro (maquiagem perfumada). Este último termo evoca o tempo presente, da imagem pessoal e da indústria da beleza realçada ou construída, e a moda da época. O poema, na primeira e segunda, estrofes, inscreve as marcas do romântico provocador, intenso, que carrega a corcunda de Quasímodo, nele, toda a deformação, toda imperfeição do mundo: “o feio que se amaldiçoa de não ser mais feio ainda” e, entretanto, “Ela é linda como uma pomba que voa”. Revela-se então o desejo de sublimação.

Sales Barbosa nos traz o poeta francês Victor Hugo e a sua leitura – de que a arte nada mais é que autossugestão e ilusão: um feio que faz versos, logo mescla o grotesco com o sublime. No final do século XIX, “o feio” na sua forma de expressão, apropriou-se dos exageros do rosto: tamanho das orelhas, da calvície, do queixo, da testa. Observemos os adjetivos que Cyrano de Bergerac, da obra de Edmond Rostand, usa para caracterizar seu nariz “[...]. Será bambo... ou tromba? Um bico de coruja... Torto? Terá feições de aborto?  

" Cavatinas"- 1885- livro de poemas de Sales Barbosa.

Foto: Divulgação

Cintia Portugal de Almeida Tranzillo de Vasconcelos nasceu em Feira de Santana/BA. Graduada em Letras com habilitação em francês (UEFS). Professora mestre em Estudos Literários (UEFS), com a dissertação “O Poeta, a Rua e o Romantismo: a produção literária de Sales Barbosa” (2016). Autora do livro Caminhando pela Cidade: crônicas sobre as ruas, praças e becos de Feira de Santana-BA (Via Literarum, 2013). Articulista do Jornal Folha do Norte, com a coluna Caminhando pela Cidade. Membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos (Gelc) – Uefs. Tem ensaios publicados em revistas acadêmicas e anais de congressos de Literatura. Participou do estudo vinculado ao PROCAD/Projeto Escritas Contemporâneas/Programa de Cooperação Acadêmica/Capes – Intercâmbio do Progel-UEFS com a PUC/Rio. Ocupa a cadeira n.º 05, patrono Aloísio Resende, da Academia Feirense de Letras (AFL). Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS). Membro da diretoria cultural da Confraria Poética Feminina: com publicações de diversas coletâneas.


http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/480

Feira de Santana-Ba (2016).

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