BANDO ANUNCIADOR
FESTA PROFANA
09/07/2023 |ás 10:05 atualizado á 30 minutos
Bando Anunciador: a reescrita da festa de Santana
A partir da década de 1910, especialmente depois da construção das torres
da Igreja Matriz, em 1913, a Festa de Santana passou por uma ressignificação
importante, superando as divergências internas, a classe dominante local
incrementou o festejo, tornando-o uma espécie de vitrine da decantada “terra
civilizada”. Foi além, rompendo com eventuais rigores dogmáticos, transferiu o
dia da Santa de julho para janeiro.
Foto: Internet |
Os festejos propriamente ditos perseguiam valores mundanos, foram organizados para perseguir objetivos civilizatórios, para enraizar uma identidade feirense que estivesse de acordo com as principais cidades do Brasil e, quiçá, do mundo. Réplicas de práticas comuns na paisagem europeia circulavam nas ruas da cidade. Festas de outras plagas eram copiadas, músicas de Pietro Bascangn, Carlos Gomes e Giuseppe Verdi eram tocadas pelas filarmônicas locais nos eventos, tudo para garantir o progresso da urbe e “salvar” a população em geral das “garras da ignorância e do atraso”.
Foto: Gutemberg Suzarte |
A festa era usada, como um equipamento comunicador de uma cultura dita alta, para socializar um modelo de urbanidade que dialogasse com as “regenerações” ocorridas na cidade do Salvador e no Rio de Janeiro, urbes que experimentaram mudanças que objetivavam torná-las um espelho de Paris nos trópicos. Talvez se sonhasse o sonho fazer da Feira um pedaço da Europa no sertão.
Entretanto, a mesma festa que servia para coagir costumes, para impor uma
identidade social à maneira europeia, de acordo com os foros de “cidade
civilizada”, também é disputada por outros valores culturais. Entrando pela
porta da frente, ou seja, pelo Bando Anunciador, manifestações culturais
reprimidas desde o tempo da escravidão saíram os esconderijos dos subúrbios da
cidade e conflitaram com o modelo de festa asséptica que era imposto pelas
camadas dominantes da cidade.
Foto: Beco da Energia / Foto: Gutemberg Suzarte |
O Bando, ao contrário de ser um mero divulgador da festa, se avolumou e se enriqueceu com os ritmos quebrados de tambores e berimbaus, transformou-se em um instrumento na proposição da contação da história de uma outra cidade, daquela preta e que vinha dos subúrbios da Feira de Santana. Menos do que um propagandeador, o bando virou a imagem da festa: por ele desfilavam os grupos de samba, os terreiros de candomblé, as rodas de capoeira. A cultura subalternizada, e muitas vezes esquecida, se fazia ouvir sob a forma de protesto, de poesias, de fantasias.
Por Clovis Ramaiana Moraes Oliveira.
Sertanejo das roças do Tanquinho. Formado nas universidades das batas de feijão e do samba de roda. Professor de teoria da história de UEFS.
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