CASO MARIANA FERRER
Caso Mariana Ferrer: ataques a blogueira durante julgamento sobre estupro provocam indignação
CNJ abriu investigação sobre conduta de juiz que inocentou empresário em SC. Promotor que pediu absolvição disse que não houve provas de dolo, ou seja, intenção de cometer estupro.
Por G1 SC
O
tratamento recebido por uma jovem durante o julgamento do homem que ela acusou
de estupro em Santa Catarina provocou indignação, reação do Conselho Nacional
de Justiça e críticas de ministros de tribunais superiores.
• Justiça absolve empresário de denúncia de estupro de jovem em beach club de Florianópolis
• MPSC denuncia empresário de SP por 'estupro de vulnerável' de jovem em Florianópolis
• Jovem denuncia nas redes sociais estupro em beach club em Jurerê Internacional
As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na
companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso,
não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen
do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o
consumo de álcool ou drogas.
O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável,quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.
Durante o processo, o promotor do caso foi transferido para uma outra promotoria e o entendimento do novo promotor foi o de que o empresário não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual, não existindo, assim, o dolo, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de "estupro culposo".Aranha foi absolvido.
https://globoplay.globo.com/v/8993436/
Na sentença, o juiz Rudson Marcos concluiu que não havia provas suficientes para a condenação - só a palavra da vítima - e que, na dúvida, preferia absolver o réu. A tese de um estupro sem dolo causou espanto, assim como a atuação agressiva do advogado do empresário nas audiências de instrução do processo.
O caso voltou à tona nesta terça-feira (3) depois que o site The Intercept Brasil publicou o vídeo de uma audiência do caso em que o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibe fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como "ginecológicas"; ele afirma ainda que "jamais teria uma filha" do "nível" de Mariana e, ao vê-la chorar, diz:
- Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo.
É possível ver, no vídeo da audiência, que a jovem reclamou do interrogatório para o juiz.
“Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz ela.
O juiz avisa Mariana que vai parar a gravação - a audiência foi feita por vídeoconferência - para que ela possa tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.
A Corregedoria Nacional de Justiça abriu investigação sobre a conduta do juiz Rudson Marcos durante audiência no processo.
O
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) declarou que
manifesta-se em veemente repúdio ao termo "estupro culposo" e que vai
acompanhar os desdobramentos dos recursos apresentados pela vítima.
O Ministério disse ainda que acompanha o caso desde 2019 e que
já enviou ofícios ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do
Ministério público, à OAB e ao Corregedor-Geral do Ministério Público de Santa
Catarina.
Em 9 de outubro, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar para apurar supostas irregularidades da atuação do membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A reclamação foi instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Reações
O
ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes se manifestou sobre o caso
em uma rede social: "As cenas da audiência de Mariana Ferrer são
estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento,
jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a
responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se
omitiram".
Senadores também se manifestaram. Fabiano Contarato (Rede-ES),
Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disseram que entraram com representação no CNJ
sobre o caso. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou em uma rede social que
houve "humilhação". "Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram
Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido.
Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas".
Mara Gabrilli (PSDB-SP) escreveu
em uma rede social: "Envergonha-me viver em um país onde inventam até
crimes para proteger criminosos. Estupro culposo é uma aberração jurídica que
só alimenta a impunidade. É a covardia e o machismo prosperando no Brasil dos perversos
poderosos".
Alvaro Dias (Podemos-PR) afirmou
que "causou revolta nas redes sociais o julgamento em que o acusado de
estupro de uma moça em Santa Catarina foi inocentado sob alegação de que teria
cometido um 'estupro culposo', uma aberração que sequer existe no ordenamento
jurídico. E pior: na audiência, a vítima do estupro foi humilhada, assediada
moralmente e tratada pior do que um assassino por um advogado que agiu de forma
inescrupulosa, sexista e misógina".
A deputada federal Sâmia Bomfim
(PSOL-SP) afirmou em rede social que "As recentes revelações do caso Mari
Ferrer mostram o quanto o machismo e a misoginia estão impregnados nas
instituições, sobretudo no Judiciário".
O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) disse que "o caso da Mari Ferrer é uma soma de absurdos. Desde a conduta dos 4 sujeitos presentes na cena que assistimos no vídeo até a sentença que absolveu o réu 'criando' a aberração do 'estupro culposo'. Estupro é estupro. E não existe argumento que justifique tal crime".
MP e advogado
Em nota, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que "André de Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha."
Leia a íntegra:
Não podemos falar muito em respeito ao
sigilo do Processo, mas gostaria de esclarecer alguns pontos importantes sobre
a matéria publicada pelo The Intercept, que gerou uma onda massiva de
comentários equivocados sobre o caso.
O magistrado considerou André de
Camargo Aranha inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do
Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a
denúncia contra André Aranha. Ou seja, os fatos foram completamente
esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais, os quais
constataram que houve uma relação consensual entre duas pessoas e foi atestado
que ambos estavam com a sua capacidade cognitiva em perfeito estado, conforme
atestam os laudos e confirmam os peritos. É importante ressaltar que o termo
utilizado na matéria “estupro culposo” não é uma terminologia jurídica
existente, e em nenhum momento foi utilizado pelo magistrado.
O caso foi tratado com a devida legitimidade pelo Ministério Público e prestamos esse esclarecimento visando o combate à desinformação que informações mal interpretadas, descontextualizadas e equivocadas podem gerar”.
Leia a íntegra da nota divulgada pelo Ministério Público de Santa Catarina:
MPSC reafirma que réu foi absolvido por
falta de provas por estupro de vulnerável
Não é verdadeira a informação de que o
Promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido
estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro.
Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em
outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do
Advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.
A 23ª Promotoria de Justiça da Capital,
que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de
violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da
formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto,
após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática
de crime por parte do acusado.
Cabe ao Ministério Público, na condição
de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento
tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da
condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou
relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos
fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte
tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.
Portanto, a manifestação pela
absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na
tese de "estupro culposo", até porque tal tipo penal inexiste no
ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de
primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.
O Ministério Público também lamenta a
postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com
a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos
tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser
devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.
Salienta-se, ainda, que o Promotor de
Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato
processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que não consta do
trecho publicizado do vídeo.
O MPSC lamenta a difusão de informações
equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar
que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num
tipo penal inexistente.
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