ESTUDO BRASILEIRO MOSTRA INEFICÁCIA DE HIDROXICLOROQUINA E AZITROMICINA
Pesquisa feita com 55 hospitais públicos e
privados descarta efeito benéfico desses medicamentos contra o novo
coronavírus; pacientes ainda tiveram efeitos cardíacos e hepáticos adversos.
O uso de hidroxicloroquina, sozinha ou associada à azitromicina, não trouxe nenhum benefício ao tratamento de pacientes com quadros leves a moderados de Covid-19, mostra estudo inédito do grupo Coalizão Covid-19 Brasil. Ao contrário: além de ineficientes na melhoria do estado de saúde dos participantes, os medicamentos provocaram efeitos cardíacos e hepáticos adversos.
A pesquisa teve a participação de 55 hospitais públicos e privados de ponta do país, e os resultados foram publicados nesta quinta-feira no renomado periódico científico “New England Journal of Medicine”.
Os médicos e pesquisadores brasileiros acompanharam 667 pacientes de hospitais em diferentes regiões do início da pandemia no país, em março, até junho. O critério para integrar o estudo, chamado de Coalizão I, era que fossem pacientes admitidos há menos de 48 horas nos hospitais, e ainda dentro dos primeiros sete dias de apresentação de sintomas. Foram analisados apenas casos leves a moderados, quer dizer, pessoas internadas mas sem necessidade de oxigênio, ou que precisavam de, no máximo, quatro litros por minuto de oxigênio suplementar. A média de idade era de 50 anos.
Divididos em grupos por sorteio, 217 pacientes receberam uma combinação de hidroxicloroquina, associada ao antibiótico azitromicina e suporte clínico padrão. Outros receberam hidroxicloroquina e suporte clínico padrão (221 pacientes). Por fim, um grupo de controle (227 pacientes) teve apenas o suporte clínico, com acompanhamento médico e tratamento padrão em casos de síndromes respiratórias. Já para os dois primeiros grupos, a hidroxicloroquina, associada ou não à azitromicina, foi administrada durante sete dias.
Todos os pacientes foram acompanhados durante 15 dias após o início do tratamento. Ao final, o quadro clínico era similar nos três grupos estudados, ou seja, os medicamentos não foram úteis no desfecho da evolução clínica. Segundo a pesquisa, após 15 dias, estavam em casa, sem limitações, 69% dos pacientes que usaram hidroxicloroquina combinada a azitromicina. Mas o mesmo quadro foi visto em 64% dos pacientes que usaram somente hidroxicloroquina, e por 68% dos pacientes que receberam apenas suporte clínico padrão.
— Não constatamos nenhum efeito benéfico, nem com a hidroxicloroquina sozinha nem junto com a azitromicina — explica Regis Goulart Rosa, membro do Comitê Científico da Coalizão Covid Brasil e médico intensivista do Hospital Moinhos de Vento, que participou do estudo.
— Mas, na prática, ao colocar os pacientes em tratamento com o estudo clínico, esses medicamentos não mostraram nenhum benefício — destaca.
Participaram deste estudo 55 hospitais públicos e privados do país, entre eles pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o Brazilian Clinical Research Institute (BCRI), a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) e o Hospital Naval Marcílio Dias, do Rio de Janeiro.— Percebemos alterações eletrocardiográficas que predispõem a riscos de arritmias cardíacas e alterações em exames que indicariam lesões hepáticas – conta Rosa.
— Conseguimos inscrever e aprovar a pesquisa em todas as instâncias e recrutar todos os centros em tempo recorde. E com uma mescla bastante representativa de pacientes dos sistemas público e privado. É um passo importante para gerar evidência científica que possa ajudar o país e o mundo nesse momento de pandemia — diz a médica intensivista Flávia Machado, da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).
— Observamos o percentual de pacientes que voltaram para casa, com ou sem dependência de oxigênio, ou que permaneceram no hospital, com ou sem dependência de oxigênio, até o pior desfecho. E não houve diferença nem na duração de hospitalização nem na necessidade de oxigênio ou ventilação mecânica — conta Flávia Machado. — O estudo mostra que não há indícios de benefícios (do tratamento) nem para esses desfechos indiretos.
— Se o tratamento ao menos reduzisse o tempo de ventilação mecânica ou um dia de internação seria um resultado relevante na questão de dar mais vazão aos leitos. Mas não constatamos essa diferença entre os grupos de tratamento — diz Rosa.
Os
grupos que receberam tratamento necessitaram em torno de quatro dias de suporte
respiratório. Já a duração de internação ficou em torno de dez dias.
— Não faz sentido ter um investimento muito grande em uma terapia que não vai trazer benefícios. Ainda mais se esse tratamento está associado a um risco maior de efeitos adversos. Há impactos financeiros e riscos para a vida dos participantes — explica o médico intensivista, reforçando que o estudo não foi aplicado a pacientes graves nem a pacientes ambulatoriais, que não necessitaram hospitalização.
— É uma busca incessante — diz Flávia Machado. — Do ponto de vista científico, juntando com outras evidências científicas para a hidroxicloroquina, ela não se mostrou como alternativa. Mas a coalizão está empenhada em encontrar soluções. Temos outros estudos em andamento. Todos queremos encontrar terapias que sejam eficazes, mas sem falsas promessas.
Nenhum comentário
AVISO: os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Site GutemBA News.
É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O ADM pode até retirar, sem prévia notificação, comentários ofensivos e com xingamentos e que não respeitem os critérios impostos neste aviso.